terça-feira, maio 29, 2007

Os ecos de Salvador Negroamor

Em janeiro de 2007, ao voltar do meu refúgio silencioso, donde nem sequer vozes telefonadas eu ouço, me surpreendo em ver algo inusitado em Salvador, embora um pouco contextualizado devido os ares serem carnnavalescos. Refiro-me a pôsteres, cartazes, outdoors, spots televisivos, busdoors dentre diversos outros mecanismos audiovisuais que projetavam imagem de negros e negras de diferentes idades associadas à logomarca de um coração tribalizado.
Cheguei em casa e fui procurar entender o que era aquilo que estava acontecendo, quem era(m) a(s) pessoa(s) promotora(s) daquela intervenção e qual a motivação para a concretização do evento. Desde este dia comecei a ouvir, coletar e discutir opiniões acerca do projeto Salvador Negroamor, sob assinatura do empresário Sérgio Guerra. Sem saber exatos valores empregados na viabilização da exposição, embora já o imaginava, fiquei surpresa com a capacidade articuladora daquele homem que, na minha opinião, é muito melhor empresário do que fotógrafo.
Pensei em fazer um texto que argumentasse os princípios, objetivos, caráter (ou a falta de um ou todos eles) que envolvem o fotógrafo e seu projeto. Porém, o que pretendo nessas linhas é debater certos pontos que não me ficaram claros – e quero fazer sem pejorativismo, parcialidade ou crítica fomentadora de estatísticas, mas por empirismo e curiosidade – pois suscitar discussões rebarbativas, ecoantes e desgastadas é o mesmo que insistir na audição daquele velho disco arranhado.
As questões que trago para posterior esclarecimento:
1- Enquanto estudante de fotografia, penso na qualidade fotográfica. Não quero discutir a intenção de Guerra, a motivação, o anonimato, as escolhas ou poésis, mas suscitar a parte técnica de cada produto exposto. Fotos, que em sua maioria, são portraits (retratos) tirados das mil pessoas anônimas cuja qualidade TÉCNICA é mais que questionável, a ponto de eu observar que a magnitude que caracteriza o projeto é a mesma que ignora as partes do fazer (pelo menos razoavelmente) fotografia.
2- Sérgio Guerra quando se vê elogiado, ludibriado ou repleto de gozo pelas diversas correntes de críticas (positivas ou não) levantadas em relação a seu produto fotográfico, estaria se apossando do dito (popular) “fale mal, mas fale de mim”, coisa que toda produção publicitária precisa para se manter (pelo menos quando está em voga – leia-se circulação – nos meios de massa)?
3- A intenção do publicitário em relação ao fortalecimento da auto-estima dos negros e negras se vê efetivada através das fotos propriamente ditas ou através do projeto, pelo fato dele ser composto por uma gama gigante de produtos fotográficos, além de trazer o rótulo de ‘maior exposição ao ar livre já feita no país”? Em outras palavras, Sérgio Guerra estava preocupado com a sua auto estima; com a dos beneficiados pela exposição ou com ambas?
4- E, caso a resposta se restrinja ao segundo ponto (a auto-estima que visa principalmente atingir à população dos excluídos), por qual motivo a maior parte de concentração das fotos está disposta em bairros turísticos ou centrais (17 pontos neste eixo), em grandes avenidas (23 pontos neste eixo) e orlas (8 pontos neste eixo) – totalizando 48, em vez de estarem contemplando (e sendo contemplado pelos) os verdadeiros modelos de cada cliques ‘Guerriano’, que estão situados em bairros populares (16 pontos neste eixo) e na região suburbana (5 pontos neste eixo)?

Para verificação dos dados apontados acima, acessar: http://www.salvadornegroamor.org.br/main/projetosna/default.jsp?CId=111


De que fontes receberei estas, dentre outras, perguntas que me confundem? Fazendo-as indiscriminadamente a amigos, conhecidos, prestadores de serviços, etc., a melhor resposta que obtive, foi, na verdade, uma repaginação de todo o projeto que, no ponto de vista de um filmmaker autônomo, poderia ser de fato beneficiador para diversas pessoas carentes, trazendo a eles o contato efetivo com a fotografia. Ele me sugeriu que o dinheiro captado para viabilização de Salvador Negroamor, fosse repassado diretamente para a comunidade em formas de oficinas de fotografia, onde jovens (ou nem tão jovens assim) pudessem estar entendendo e praticando a linguagem fotográfica a qual poderia vir a representá-los de fato, como eles se auto-vêem. Porque privá-los do direito de se auto- apresentar, quando isso pode ser concretizado? Dinheiro, pessoas e infra-estrutura não sobrariam ao publicitário. (Falta) Vontade? Ou seria a (questão) da auto-estima que o impeliu de viabilizar um projeto que abarcasse de fato as carências (até mesmo da estima tão falada!) dos fotografados para e pela maior intervenção imagética (e temática) de rua já realizada na pátria amada.


Por Emilly Dias

domingo, maio 20, 2007

Um pouco de publicidade...

Texto referente ao comercial da Sprite, as coisas como são. Assitir pelo link: http://www.youtube.com/watch?v=0qIEmF1W4fw

No começo do Spot, o locutor enaltece a sua marca/produto ao dizer que "Ver alguém beber dá sede", vinculando diretamente o ato de 'beber' ao refrigerante - a peça que distingue o consumidor e é mantenedora da cobiça alheia. Porque digo isso? Pelo fato de, a meu ver, o interlocutor deixar subtendido que o receptor/público seja um alguém dotado de inveja, ou que o sentimento de um se exprime bem na instância que se percebe no outro a detenção de bens ou produtos não possuídos por este um. Em outras palavras “o inferno é o outro”, daí nasce a inveja. Daniel Bougnoux abordou muito eficientemente a problemática do outro no seu texto “Publicidade, um novo espaço público?”, fato que reforça (segundo meu ponto de vista) a não ingenuidade da fala do interlocutor quando ele afirma que as pessoas são invejosas e que, por este motivo, a publicidade trabalha de maneira a abranger o outro para obter você além de tentar atingir vocês para abocanhar os tantos outros. Apostando nessa assertiva, o locutor perturba a face do receptor (sutilmente). Para não causar o boicote do produto por esta eventual agressão a face, a publicidade (o interlocutor) trata de usar a sua auto-imagem de “feiticeira do produto” (“quanto mais você se refresca mais aumenta a sede dos outros. E a publicidade sabendo disso faz o quê? Tira proveito, né?”) para amenizar a perturbação inicial que causara na face do receptor. Não vejo, portanto, nenhum indício de que a face do locutor tenha sido manchada, pois o argumento de que a publicidade está “tirando proveito” da sede (leia-se inveja) alheia não é novidade nenhuma para o consumidor e, além disso, o spot já se propõe “verdadeiro” (Sprite, as coisas como são) desde seu primeiro segundo, fato que – junto à ironia das imagens e o tom debochado da narração – deixa (ou pode deixar) tanto o locutor quando o receptor isentor de constrangimentos à face.
Por Emilly Dias

terça-feira, maio 15, 2007

Suspenso no Rio Branco

Considerações acadêmicas n°359

O impulso da sociedade desfigurada, pré, pós e moderna centra-se em várias atitudes que desencadeiam o consumo. Esta é uma das bases que o escritor e diretor italiano Erik Gandini usará no desenrolar do seu documentário que contempla 52 minutos de críticas, montagens desenfreadas, como o ritmo e compasso de cada segmento dos dias um pouco a frente do Modern Times, e trilha sonora excitante. Surplus começa sua descarga de acidez sobre a situação do todo contemporâneo, mostrando imagens dum sempre sorridente W. Bush e, em antítese, as cenas das manifestações antiludistas, revolucionárias, violentas e utópica que ocorreram em Gênova no ano de 2001. Concomitantes, ouvimos uma narração, em espanhol, que faz um encadeamento de tudo o que foi posto em detrimento, principalmente pelos países centrais, em nome do vigor da tecnologia corrosiva. “Um mundo melhor é possível,” como um sussurro ouve-se a frase junto aos sons de explosões e resquícios de uma passeata em meio ao desajuste final. Como disseram sapiamente Adorno e Horkheimer na sua obra “Dialética do Iluminismo”: “o progresso econômico, científico e tecnológico não pode ser separado da criação de novas sujeições e, portanto, do aparecimento de uma série de patologias culturais (adiciono políticas, natuarais e também econômicas) que vitimam amplas camadas da sociedade”.
A tese ou síntese dos escritores Martin-Barbero e Orozco (que em muito se complementam) irão focar os des(territorialismo, enraizamento, temporalização, identificação) trazidos pela nova conjuntra tecnocêntrica.
Martín-Barbero, em Tecnicidades, Identidades, Alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século, como um bom herdeiro de análises (atualizadas) frankfurtianas, traz vários contrapontos da era da globalização que estão metaforizados no atentado de 11 de setembro e no Fórum Social mundial, ocorrido em Porto Alegre. A discussão circunda: 1- nas práticas comunicacionais, que de um lado são sufocadas pelo medo e pelo estupro maior das liberdades e direitos civis (desencadeados pelo fatídico 11/09) e por outro lado é proposta e discutida no Fórum, como “lugar de dupla perversão e oportunidade”; 2- em como a digitalização põe em questão as instituições tradicionais de ensino e a “hegemonia racional dos dualismos”; 3- na configuração das redes como novo espaço público e de cidadania. Todos esses três tópicos irão desembocar na revitalização das identidades e na revolução das tecnicidades, fatores que propiciarão respectivamente o questionamento generalizado sobre: os valores intrínsecos da identidade, agora desprotegida da Igreja, Estado e Escola; e da configuração dos novos consumos, novas produções, etc.
Trazendo novamente à tona Excesso, sua mensagem, embora extremamente válida, não se atenta às remodelações (que envolvem os âmbitos simbólicos, econômicos e (a)político) trazidas por Martín-Barbero. Digo isso porque não se pode negar(?) as contradições que rondam o termo e o viver glocal. O homem se desmembra, conhece, se expande, como também destrói em massa, morre de fome, ignora, se entope da fantasia real, é frívolo, além de marginalizar (historicamente, é bom dizer) 80% da sua população semi-escrava, semi-morta.
Muitas destas discussões são pautadas por Orozco, que afirma que as questões identitárias são “conseqüências de mediações da mídia e da tecnologia”. Ele concorda com Barbero ao dizer que há um desmembramento das tradicionais identidades e que as novas práticas comunicativas contêm a “socialidade e a ritualidade”. O autor se preocupa com a questão latente da mediação e diz que os consumidores da tecnologia se multiplicam ao mesmo passo que as apropriações do “temporal-histórico e do “espacial-situacional.” Ele destaca ainda à incorporação audiovisual-informático à educação, fator que propicia a fabricação de consumidores-audiência mirim. Daí podemos resgatar Surplus, onde Gandini, na mescla irônica e eficaz de imagens e narração, traz a tona uma seqüência (a qual deixaria Oliviero Toscani bastante satisfeito) que traz as situações: “Young people have no future” e como os $400 bilhões de dólares anualmente gastos em nome da venda de produtos e lixo mediático fazem das grandes corporações (e seus spots de 30 segundos – “the most powerfull piece of comunication”) verdadeiras dominadores do mundo.

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