No instante escuro, respirei.
Assustada e ofegante abri meus olhos percebendo o gritante clarão que cegava-me os olhos.
Depois do susto, me recompus.
Percebi-me sentada numa enorme rochedo situado...
Bem, eu não sabia ao certo onde estava.
Vestida de preto, com sapatinhos vermelhos, eu parecia uma boneca futurista abduzida de um tempo (remoto, futuro?!) e depois lançada a sorte em um lugar qualquer. Uma fazenda vazia. Uma hostilidade seca de pedras.
Ano, mês, século?
Não fazia nenhuma idéia de nada. Nem de língua, credo ou cultura, mas sentia a solidão rochosa.
Olho para meus lados e para frente. Não vejo nada, mas o vento dando curvas nos meus cabelos e vestido, arrepiando-me os pêlos.
Por medo de um algo chamado ‘passado’, não quis olhar para trás. E, num embate de mim para eu, percebi que os conceitos de tempo não mais se aplicavam a uma pessoa sozinha num mundo que nem sabia que era mundo.
Olho para trás.
Meus olhos cerrados captam uma árvore ao longe e os ouvidos, um choro de criança.
Tomando consciência do desespero daquele apelo, sinto grande vontade (quase que superior) de ajudar aquele serzinho desprotegido.
Levanto de súbito e percebo o peso que fixava meus pés ao chão. Uma corrente me ligava e prendia àquela pedra.
Tiro a corrente, ponho-a nas mãos e carrego minha bagagem até a maldita árvore.
Ao me aproximar, vejo um círculo verde que tinha como entidade de energia um triângulo de sinalização vermelho. A árvore tinha sua fita de isolamento e a minha criança chorante era, em verdade, um quadrúpede pendurado prestes a ser sacrificado.
Como um rojão, surge ao meu lado um moreno personagem trajando branco e carregando nas mãos, protegidas com luvas, uma faca e um estetoscópio.
Ele me estende a mão, entrega-me o aparelho de escuta e, incrivelmente sem resistência adentra o círculo.
Largando as correntes no chão, ponho o estetoscópio no ouvido, então, começo a ouvir um zunido crescente, irritante, ensurdecedor.
Tento por três vezes e ângulos diferentes adentrar aquela circunferência, mas a força repulsora me empurra novamente para trás enquanto o moreno suspende a faca como se fosse um cavalheiro medieval erguendo sua espada de guerra, numa batalha!
O carneiro esperneia.
Não o posso ouvir mais. Abro a boca na tentativa frustrada de impedir o sacrifício – não há voz. Só zunidos, misturados aos meus batimentos rápidos, cardíacos.
O círculo se desfez. O moreno me captura por trás, enquanto minha tontura me consome. Uma das suas mão me puxa os cabelos em direção ao chão enquanto a outra, numa fenomenal força, aplica o golpe na barriga do desesperado carneiro, deixando as vísceras do animal dependuradas.
O cavaleiro some e, sem amparo caio no chão.
Percebo as quatro extremidades do meu corpo sendo puxadas para uma direção diferente.
No meu último suspiro de lucidez, percebo 4 crianças sentadas segurando a ponta extrema de cada corrente. A força aplicada em cada uma das pontas me faz sentir uma terrível dor e me forçam a suplicar pelo descanso de Quirão e pela casa de Hades.
Volto, assim, à minha escuridão.
Por Emilly Dias
Desenho: Copyleft!
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