Redescobrindo a Ilha de Lesbos?
Na ilha [grega] de Lesbos, situada no mar Egeu, próximo à Turquia, existia uma sociedade – fronteiriça a mais famosa cidade da ilha: Mitilíni[1] – cuja sede principal chamava-se Alcéia, reconhecida e difamada pela sua condição de secreta e, acredita-se, imaginária. Suas reuniões e produções ocorriam em cavernas, nas inúmeras montanhas e depressões que compõem o relevo local, situando em outras palavras, a fundação do grupo se dava em posições estratégicas, o que assegurava defesa e camuflagem propiciadas pelos obstáculos naturais.
Esta sociedade é predominantemente feminina, matriarcal [porém sem estratos] e pré-moderna, cuja economia se baseava na agricultura [produção de cereais, oliveiras, tabaco, cítricos e vinhos] de subsistência, mas também com fins de comercialização [escambo dos produtos nativos – excedentes - por outros, de fontes estrangeiras], na confecção de artesanatos [com uso freqüente de matérias-primas tais quais: pedras preciosas, semipreciosas, argila, fragmentos de estalactites e estalagmites] e na produção artística [pinturas, esculturas, poemas e canções]. As suas vestimentas e ornatos sofriam modificações nas cores, forma e costura trimestralmente simbolizando a mudança das estações do ano e, conseqüentemente, a harmonia local. Empiristas e pragmáticas, as alcéias procuravam estabelecer formas igualitárias e organizadas de governo, procriação, manutenção da saúde e perpetuação das entidades – e não métodos – de ensino. Elas eram veementemente contrárias à prática de embates armados de qualquer gênero, à desonra, ao roubo e ao cunho de moedas, já que desacreditavam na “economia” e acumulação, talvez por desconhecimento ou medo.
Explanando os segmentos que estruturavam o grupo, a forma de governo se dava de modo intrínseco à abolição de figuras despóticas; à rejeição da figura masculina - isto ocorria, uma vez que elas acreditavam no poder, possuído pelos homens, de desestruturar a consonância e o emaranhado social – e, também, da vanguarda - mas nunca se opuseram às mudanças –; a não apropriação dos excedentes; a uma divisão, rodízio dos postos e socialização dos instrumentos de trabalho – evitando assim a alienação na produção – e, por fim, intrínsecos ao ateísmo [sendo, porém, importante destacar que as alcéias eram iconoclastas] somado ao racionalismo regional. A proliferação dos “cidadãos” ocorria de maneira intrigante. No inverno – época do ano considerada infrutífera, por ser imprópria para o cultivo e colheita de grande parte dos produtos agrícolas, ganhando a denominação de “a Época da Aglutinação ou Hibernação” [onde havia: depósito e acumulação de alimentos, cessamento das atividades, descanso, rituais de embelezamento, etc.]- as mulheres mais velhas (matriarcalis) saiam nas embarcações – projetadas para as articulações comerciais – a fim de recrutar homens viris, fortes e saudáveis [características estas que se expressariam na prole, segundo as crenças da localidade], independente da sua raça, condição e papel que exerciam nas cidades onde residiam. As amazonas ficavam, durante a espera, se banhando com leite de cabra, rosas e mel, pois acreditavam que este “ritual” propiciaria mais charme e apetite sexual. Escolhidos os homens, todos deveriam entrar nas diversas cavernas, de modo aleatório e lá permaneceriam até o final da estação, podendo trocar, apenas uma vez, de par, caso alguma das partes [principalmente a feminina] não estivesse satisfeita com o (a) parceiro (a). Vale frisar que se haver casos de estabelecimento de vínculo afetivo, a punição para tal infortúnio, varia com a acuidade do sentimento. Findado o inverno, os homens teriam de cumprir um juramento de silêncio, a partir do qual eram permitidas suas saídas das redondezas da cidade. Aqueles que se negavam a jurar tinham suas línguas cortadas, os testículos mutilados culminando, quando estivessem definhando em dor, na decapitação pública. Os que aceitavam o juramento, mas se negavam a deixar a amazona ou a cidade, tinham seu pênis decepado, e, em retribuição à confiança respeitada, ganhavam, se sobrevivessem à hemorragia, o posto de “eunuco”.
Abordando outros segmentos estruturais da sociedade alcéia, as entidades de ensino lecionavam: artes; filosofia; línguas (alceu e o grego); a história e geografia da localidade; conceito e prática das liberdades imanente e transcendente (reconhecimento do corpo como um todo, como uma máquina de trabalho e prazer – no sentido mais amplo da palavra -, como um elemento social) e, também, todas as técnicas médicas por elas conhecida (leitura e prática dos estudos [e métodos] de Hipócrates[2], manuseio das plantas e ervas medicinais, etc.). Outra fração a ser analisada é a arquitetura, que era clássica (semelhante à grega, porém em dimensões menores, devido ao relevo extremamente acidentado da cidade), possuía edificações médias sustentadas por pilastras; havia a presença quase unânime de estátuas femininas (representado Vênus, a sacerdotisa Safo e as primeiras matriarcalis) espalhadas nos centros de reunião e discussões políticas, no teatro [incipiente] arena, praças; possuía casebres nos interiores das cavernas e difusas, com certa conformidade, pelas montanhas. No âmbito do entretenimento, eram realizadas, todas as primeiras semanas de cada estação do ano, festas de celebração da “mudança”. Nelas ocorriam banquetes, cujas comidas eram ornamentadas e um tanto quanto excêntricas; círculos culturais, onde eram lidas obras literárias, poesias eram recitadas e as canções musicadas – é importante ressaltar que todos os segmentos citados eram produzidos nos meses precedentes às festanças - e eventos ou feiras científicas [aqui se tornavam públicos, caso existissem, avanços técnicos e descobertas de todo e qualquer paradigma das ciências]. Eram, também, celebrados, sempre nove meses depois do inverno, os nascimentos e óbitos das infantes. Quando eram meninas, elas eram acolhidas, juntamente com sua mãe, e ficavam sob cuidado e vigilância das matriarcalis, até que deixassem de amamentar, retornando - mães e filhas - para seus casebres. O advento das novas “cidadãs” era comemorado com vinhos, presentes, danças e com a contemplação da vibração leniente das “harpas safônicas” (recebiam este nome por considerarem a voz, da poetisa, inebriante, quando esta recitava seus poemas). Se as crianças concebidas fossem do sexo oposto, seus destinos eram previamente traçados. Para os meninos era escolhida – de acordo com o vigor que apresentassem - uma dentre as duas opções: a expulsão da ilha, ou a condição de escravos castrados (ambas punições ocorriam quando completassem cinco anos).
Vislumbrando a organização, estruturação e cotidiano das mulheres que iam de encontro a todo e qualquer [aspecto analisado segundo as perspectivas eurocêntricas, sem invalidar comportamentos semelhantemente excludentes das sociedades orientais, tais como as árabicas] costume machista e patriarcal das sociedades já existentes, é com imensa tristeza que aponto o grupo social formado pelas alcéias, como produto da minha imaginação silenciosa. Afirmar tal coisa é extremamente penoso porque com a vastidão de informações diariamente veiculadas e produzidas, o avanço desenfreado das técnicas de pesquisa e de disseminação do conhecimento, a verdadeira Lesbos [que no século VI a.C era o centro cultural de maior importância] sua história, mitologias continuem sendo resumidas a citações históricas ínfimas (sempre ligadas a Atenas, Safo ou Alceu) e cujas biografias lançadas sejam insuficientes, [ou] pouco divulgadas e mal distribuídas pelas livrarias e bibliotecas. Em contestação a esta forma abusiva de ocultação da história das “sociedades alternativas”, grito, numa madrugada lacônica, que a cognição e criatividade não podem permanecer estagnadas [mesmo que ‘maquiadamente” dinâmicas] perante a vangloriação da história maniqueísta e dominadora.
Esta sociedade é predominantemente feminina, matriarcal [porém sem estratos] e pré-moderna, cuja economia se baseava na agricultura [produção de cereais, oliveiras, tabaco, cítricos e vinhos] de subsistência, mas também com fins de comercialização [escambo dos produtos nativos – excedentes - por outros, de fontes estrangeiras], na confecção de artesanatos [com uso freqüente de matérias-primas tais quais: pedras preciosas, semipreciosas, argila, fragmentos de estalactites e estalagmites] e na produção artística [pinturas, esculturas, poemas e canções]. As suas vestimentas e ornatos sofriam modificações nas cores, forma e costura trimestralmente simbolizando a mudança das estações do ano e, conseqüentemente, a harmonia local. Empiristas e pragmáticas, as alcéias procuravam estabelecer formas igualitárias e organizadas de governo, procriação, manutenção da saúde e perpetuação das entidades – e não métodos – de ensino. Elas eram veementemente contrárias à prática de embates armados de qualquer gênero, à desonra, ao roubo e ao cunho de moedas, já que desacreditavam na “economia” e acumulação, talvez por desconhecimento ou medo.
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Abordando outros segmentos estruturais da sociedade alcéia, as entidades de ensino lecionavam: artes; filosofia; línguas (alceu e o grego); a história e geografia da localidade; conceito e prática das liberdades imanente e transcendente (reconhecimento do corpo como um todo, como uma máquina de trabalho e prazer – no sentido mais amplo da palavra -, como um elemento social) e, também, todas as técnicas médicas por elas conhecida (leitura e prática dos estudos [e métodos] de Hipócrates[2], manuseio das plantas e ervas medicinais, etc.). Outra fração a ser analisada é a arquitetura, que era clássica (semelhante à grega, porém em dimensões menores, devido ao relevo extremamente acidentado da cidade), possuía edificações médias sustentadas por pilastras; havia a presença quase unânime de estátuas femininas (representado Vênus, a sacerdotisa Safo e as primeiras matriarcalis) espalhadas nos centros de reunião e discussões políticas, no teatro [incipiente] arena, praças; possuía casebres nos interiores das cavernas e difusas, com certa conformidade, pelas montanhas. No âmbito do entretenimento, eram realizadas, todas as primeiras semanas de cada estação do ano, festas de celebração da “mudança”. Nelas ocorriam banquetes, cujas comidas eram ornamentadas e um tanto quanto excêntricas; círculos culturais, onde eram lidas obras literárias, poesias eram recitadas e as canções musicadas – é importante ressaltar que todos os segmentos citados eram produzidos nos meses precedentes às festanças - e eventos ou feiras científicas [aqui se tornavam públicos, caso existissem, avanços técnicos e descobertas de todo e qualquer paradigma das ciências]. Eram, também, celebrados, sempre nove meses depois do inverno, os nascimentos e óbitos das infantes. Quando eram meninas, elas eram acolhidas, juntamente com sua mãe, e ficavam sob cuidado e vigilância das matriarcalis, até que deixassem de amamentar, retornando - mães e filhas - para seus casebres. O advento das novas “cidadãs” era comemorado com vinhos, presentes, danças e com a contemplação da vibração leniente das “harpas safônicas” (recebiam este nome por considerarem a voz, da poetisa, inebriante, quando esta recitava seus poemas). Se as crianças concebidas fossem do sexo oposto, seus destinos eram previamente traçados. Para os meninos era escolhida – de acordo com o vigor que apresentassem - uma dentre as duas opções: a expulsão da ilha, ou a condição de escravos castrados (ambas punições ocorriam quando completassem cinco anos).
Vislumbrando a organização, estruturação e cotidiano das mulheres que iam de encontro a todo e qualquer [aspecto analisado segundo as perspectivas eurocêntricas, sem invalidar comportamentos semelhantemente excludentes das sociedades orientais, tais como as árabicas] costume machista e patriarcal das sociedades já existentes, é com imensa tristeza que aponto o grupo social formado pelas alcéias, como produto da minha imaginação silenciosa. Afirmar tal coisa é extremamente penoso porque com a vastidão de informações diariamente veiculadas e produzidas, o avanço desenfreado das técnicas de pesquisa e de disseminação do conhecimento, a verdadeira Lesbos [que no século VI a.C era o centro cultural de maior importância] sua história, mitologias continuem sendo resumidas a citações históricas ínfimas (sempre ligadas a Atenas, Safo ou Alceu) e cujas biografias lançadas sejam insuficientes, [ou] pouco divulgadas e mal distribuídas pelas livrarias e bibliotecas. Em contestação a esta forma abusiva de ocultação da história das “sociedades alternativas”, grito, numa madrugada lacônica, que a cognição e criatividade não podem permanecer estagnadas [mesmo que ‘maquiadamente” dinâmicas] perante a vangloriação da história maniqueísta e dominadora.
[1] Onde residiu Safo, considerada a maior poetisa lírica da Antigüidade e , provavelmente, é a primeira mulher a fazer poesia reconhecida na história da cultura ocidental. Nasceu em Lesbos, por volta do ano de 612 a.C.
[2] Hipócrates de Cós (Cós c. 460 a.C. - Tessália, 377 a.C.) foi um médico da Antiga Grécia, considerado por muitos como uma das figuras mais importantes da história da medicina. Ele deixou uma série de doutrinas médicas que constituem o Corpus hippocraticum, que é composto por diversos tratados, entre eles: Aforismos, Prognósticos, A doença sagrada e Epidemias. Nas obras hipocráticas há uma série de descrições clínicas pelas quais se pode diagnosticar doenças como a malária, caxumba, pneumonia e tuberculose
[2] Hipócrates de Cós (Cós c. 460 a.C. - Tessália, 377 a.C.) foi um médico da Antiga Grécia, considerado por muitos como uma das figuras mais importantes da história da medicina. Ele deixou uma série de doutrinas médicas que constituem o Corpus hippocraticum, que é composto por diversos tratados, entre eles: Aforismos, Prognósticos, A doença sagrada e Epidemias. Nas obras hipocráticas há uma série de descrições clínicas pelas quais se pode diagnosticar doenças como a malária, caxumba, pneumonia e tuberculose
Emilly Dias
Outubro, 2005.
Outubro, 2005.
Marcadores: Amazonas, Antigüidade, Grécia, Hipócrates, Ilha de Lesbos, Safo
2 Comentários:
ótimo texto parabens!
e parabens pelo blog
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