quarta-feira, março 21, 2007

Insurreição da cabeça branca


Resenha da palestra de Paulo Fábio Dantas[1] ocorrida no dia 19/03/2007, às 07h.

O professor Paulo Dantas começa sua fala com uma breve auto-apresentação para a turma, na qual ele se diz estudioso da política, políticos e, mais especificamente no que toca o artigo “Tradição, autocracia e carisma: a política de ACM na modernização da Bahia”, da dinâmica da elite e do poder estadual da Bahia.
No seu artigo, Dantas trabalha com uma periodização do carlismo, dividindo-o em três momentos: o primeiro carlismo (quando Antônio Carlos Magalhães entra na política e assume o papel de modernizar [conservadoramente] a Bahia involuída, sob moldes da elite do estado), o segundo carlismo (que ocorre quando o político vira A.C.M, além de se apresentar como período no qual ele está muito articulado com as forças neo-liberais brasileiras e possui grande visibilidade nacional [devido ao cargo e importância que ACM agregou no primeiro mandato de F.H.C e a amizade com, o diretor da Rede Globo de Televisões, Roberto Marinho]) e, por fim, o carlismo pós-carlista (que acontece quando A.C.M já não mais é pólo político de articulações do movimento, apesar dos estigmas e nome. O partido permanece com as características e estratégias semelhantes aos antigos mandatos do senador, mas se vende como a reforma do ‘carlismo’ por dentro).
Entrando na genealogia do carlismo, vemos como Antônio Carlos Magalhães conseguiu entrar timidamente no cenário político. Em 1954 ele foi eleito (um dos menos votados) deputado estadual pela UDN (União Democrática Nacional). A partir daí, junto com as outras famílias políticas (e influentes) da Bahia, as de Luís Vianna e Juracy Magalhães, o deputado Antônio Carlos Magalhães começa a ganhar visibilidade nacional pelas duas eleições, ainda pela UDN, para deputado federal em 1962 e 1966; pelo seu apóio declarado à Ditadura Militar e pelos seus projetos modernizantes (vale lembrar, entretanto, que a figura do, na época, deputado isoladamente não tinha muita significância nacional, o contrário do que acontecia quando acoplado aos fatores dantes escritos). No período compreendido entre 1967 a 1974, o carlismo é a maior força política na Bahia (passando as outras famílias para trás), mas o poder do, agora, governador se restringia a âmbitos estaduais.
Em 1975 o movimento comandado por ACM sofre a primeira derrota, o que acabou por impulsionar a mudança de perfil do carlismo para que, desta maneira, as fontes do poder carlista não cessassem. O carlismo avança para o seu segundo (e mais bem sucedido) estágio, tornando-se baiano-nacional. Neste ano o governador busca “a consolidação da Bahia como pólo turístico brasileiro, com a implantação de hotéis e a construção de estradas e museus em Salvador e Porto Seguro (litoral sul da Bahia)”[2] e se vê nomeado, pelo militar Ernesto Geisel, a presidente da Eletrobrás e membro do Conselho de Administração da Itaipu Binacional. O “segundo carlismo”, por ser um período mais que áureo do movimento, pode ser considerado como um dos fatores que propiciaram a longevidade de ACM no poder. Nesta temporada (algo que fica entre 1975 a 2002) Antônio C. Magalhães detém influências em diversos órgãos nacionais e estaduais onde podem ser citados - além da Eletrobrás e do Conselho de Administração da Itaipu Binacional -, o Ministério das Comunicações no governo Sarney (1985-1990) – local onde exercia plenos poderes e usava as concessões de rádio e TV como moeda política -, a Sudene, a Tv Bahia, o forte vínculo com o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, dentre tantas outras empresas e holdings no estado da Bahia (que se conjuga na Bahiapar Participações e Investimentos LTDA que engloba: a Bahia Telecomunicações LTDA, a Bahiasat Comunicações, a Santa Helena de Informáticas e Comunicações LTDA, a Bahia Eventos LTDA, a Empresa Baiana de Jornalismo (responsável pelo Correio da Bahia), a Gráfica Santa Helena LTDA e a Santa Helena S/A Incorporações e Construções). “Outro dado essencial para o “retorno” do carlismo foi a incapacidade dos setores anticarlistas de construir uma alternativa fonte de poder, em termos político-adminitrativos no Estado e também na prefeitura de Salvador”[3]. Nesse forte período, o carlismo entra para a Idade Mídia, abarca as modernizações civis, industriais e conservadoras e investe muito na baianidade como reforçadora da imagem do movimento nos âmbitos nacional-estadual e para a (“sua”) população votante.
Em 21 de abril de 1998, “a morte de Luís Eduardo (seu filho que seria o seu possível sucessor político) desorientou e trincou o carlismo, que começou a erodir.”[4] A partir daí o senador começou a colecionar inimigos (teve seu apoio da Rede Globo castrado, foi acusado de retrógrado-coronel pelos antigos parceiros políticos, no segundo mandato de FHC), a perder seus aliados no poder federal, a se envolver em escândalos. Começa, então, a era do carlismo pós-carlista, que “para Dantas, não consiste no cancelamento da herança ou mesmo da liderança presente de ACM, nem da vigência do carlismo como grupo político integrado, mas da superação da estrutura fundada numa personalidade por uma dinâmica ancorada numa competição política institucional, bipolar, onde PFL e PT tendem a disputar, cada vez mais, o lugar do protagonista.”[5]. A morte de Luís Eduardo Magalhães, todos os rompimentos (em série) pelos quais o carlismo foi submetido e a perda da ‘nacionalidade-carlista’ fizeram com que o movimento regredisse ao seu primeiro estágio e voltasse a deter o poder apenas no âmbito estadual.
Dantas afirma que comparar ACM ao coronelismo não é relevante para entender e explicar o poderio e a longevidade do senador no poder, mas tentar entender a articulação de ACM com as elites estaduais e nacionais, com o capital-liberal.
Paulo Fábio explica, a partir das sucessivas perdas do carlismo, a tomada de poder da Bahia pela oposição depois de mais de 25 anos de carlismo. Ele abordou os números de eleitorado e a miopia baiana e nacional (sempre enfatizando o equivoco que se comete ao restringir o senador à figura do coronel) que impossibilitou a análise (por parte dos políticos, opositores e cidadãos) dos movimentos estratégicos do PT para a conquista do poder na Bahia. Ele diz que o PFL venceu quatro vezes o governo estadual detendo apenas 1/3 ou 34% do eleitorado, sendo fato concreto que o partido de ACM sempre abocanhou esse percentual de votantes. O que propiciava a vitória do partido era (além da ínfima parcela de votos recebido pelos opositores) a alienação eleitoral, pois os votos nulos e brancos acabavam sendo somado ao percentual atingido pelos candidatos do PFL.
Durante a década de 90 o número de votos brancos e nulos na Bahia era maior que no Brasil e no Nordeste, mas isso mudou em 2002, com a inserção das urnas eletrônicas na política brasileira, pois o número de votos nulos e brancos caiu consideravelmente, quase ocasionando a perda do carlismo nesse ano. A partir de então a oposição-carlista estava se tornando mais coesa e tentava escapar dos estereótipos de ‘coveiro de ACM’, para consolidar a vitória (triunfal) de 2006. Neste ano, as defasagens do carlismo foram irreversíveis: houve perda de parte do judiciário, o movimento ganhou um forte concorrente municipal – o jornal A Tarde –, e perdeu o editorial da TV Bahia, além dos cargos ministeriais do governo de Fernando H. Cardoso e da redução da Assembléia em ¾, ficando apenas com 1/4 dos cargos.
Diante da catástrofe pela qual o carlismo vem passado (somada ao próprio desgaste [de dez anos] físico e simbólico do senador ACM) as dúvidas sobre as derrotas de efeito dominó de 2006 não cessam em se aglutinar. O “porque”, porém, continua sendo a mais forte dentre as interrogações. Paulo Fábio destaca três fatores para responder a indagação. Começa falando que o Partido dos Trabalhadores não venceu um carlismo moribundo, mas um PFL cheio de alianças e estratégias que visavam o regresso ao poder, sem, porém, a figura do painho. A oposição abrangente do PT ao carlismo passa a ser, então, o primeiro fator da derrota de 2006. A visibilidade nacional do PT; a ocupação de cargos federais dentro na Bahia por filiados do partido; o programa Bolsa Família e o apoio aberto e via rede nacional de Lula ao candidato a governador (no ano em questão) Jaques Wagner, consistem o segundo fator da derrota do PFL. O terceiro fator seria, portanto, o desgaste do PFL/ACM/Carlismo depois de tantos anos incessantes no domínio do poderio político estado-municipal.
Paulo Fábio termina a sua apresentação lançando duas provocações. A primeira delas foi a lembrança de que Antônio Carlos Magalhães sempre teve/defendeu um lado, este que foi o do capital, das práticas neo-liberais e da elite. A segunda foi a preocupante suscitação de que o governo de J. Wagner ou polarizará o poder estadual com os seus adversários políticos (Paulo Souto, A.C.M Neto e Aleluia) ou então criará um novo carlismo de oposição: exercerá um poderio fechado do PT na Bahia. Ele falou, polidamente, da alienação política generalizada. Será um convite à insurgência baiana?

[1] Paulo Fábio Dantas Neto é doutor em Ciências Humanas - Ciência Política – pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2004), com ênfase em Elites Políticas Regionais, atuando principalmente nos seguintes temas: Política baiana: sua história (anos 50 e mais) e contemporaneidade; carlismo; elite estadual e mudança institucional; processos de reprodução da elite estadual; ação parlamentar; configuração partidária e competição eleitoral.
[2] Trecho retirado do site <>
[3] Trecho retirado do artigo ACM: PODER, MÍDIA E POLÍTICA, do professor-doutor da Faculdade de Comunicação da UFBA Antônio Albino.
[4] Trecho retirado do texto “O “H” da baianidade” de Carlos Haag (Janeiro 2007).
[5] Trecho retirado do texto “O “H” da baianidade” de Carlos Haag (Janeiro 2007).


Escrito por Emilly Dias

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