domingo, outubro 22, 2006

Shock Corridor


Os temas que se fazem presentes em Paixões que Alucinam são inúmeros e complexos. Porém Samuel Fuller pôs nos quatro personagens centrais (sendo um deles, Johnny Barrett, o principal) a incumbência de representar os quatro mais influentes problemas da película, em consonância com os da sociedade norte americana da década de 60.
Esta época é marcada por transformações em todos os seguimentos dos EUA e do mundo. A literatura é expressa através dos Beatnicks que desejam arrasar o modelo burguês do “american way of life”, os modernistas desestruturavam a forma perfeita da arte, a música começa a ganhar transformadores (a invasão britânica penetra no mercado fonográfico bastante fechado dos EUA), há a independência tardia de diversos países africanos, os Panteras Negras clamam o pelo Black Power, Martin Luther King luta contra a segregação racial no seu país, tentando dar dignidade à identidade negra, a Guerra no Vietnã matava milhares de jovens americanos e vietnamitas, ocorre a construção do muro de Berlim, também toma corpo a Crise dos Mísseis em Cuba (ela que foi a iminência de uma guerra nuclear), John F. Kennedy é assassinado na sua campanha pela re-eleição, vários países da América Latina ficam sob influência, ocasionada pelos golpes que deram origem às Ditaduras, dos militares, enfim, os EUA e a URSS matam a sua própria paz e a do restante do mundo durante o longo período de Guerra Fria.
Presenciando a ocorrência de todos esses acontecimentos não havia lógica ou razão para Fuller falar sobre mocinhos, princesas e sonhos inexistentes. Em Shock Corridor todo esse fascínio destrutivo e toda a atmosfera do medo foram trazidos para um corredor, ou ironicamente chamada de ‘Rua’, situado num hospício. Quem é o verdadeiro louco?
Dividido em três pilares centrais e um principal, Samuel fala da Guerra Fria, que acarretou a corrida armamentista e nuclear; fala do Racismo, representado pelo isolamento e pela marginalidade social que os ‘cidadãos’ brancos designaram aos negros e, principalmente pelo Ku Klux Klan(KKK); fala também das guerras, num âmbito geral, abordando o horror contido em qualquer guerra, de qualquer dimensão; e, fundamentalmente, sobre a obsessão e desejo exacerbados por fama e reconhecimento:
“Whom God Wishes To Destroy... He First Turns Mad”.
Encarnada em Stuart (James Best), a problemática comum a todas as guerras (em destaque a Guerra Civil norte americana, a Guerra da Coréia e a IIGM) é retratada metaforicamente no filme. Toda exacerbação do ódio, toda a brutalidade com precedentes falidos e tantas vidas roubadas foram situações agrupadas em um homem fragilizado pela intolerância e a incapacidade da razão. Fazendeiro, católico e procedente do sul dos EUA, Stuart fugiu de casa em busca de um ideal, um sentido para os seus dias (arrisco a dizer que esta ocorrência era comum aos jovens do país, uma vez que eram todos desprovidos de futuro e viviam um presente recheado de ignorância e vazio, quadro que perdura até datas atuais). Encontrou o comunismo, a luta, um norte. Até o dia em que ficou na delegação de fazer uma lavagem cerebral no “ingênuo”, um sargento da primeira divisão (suponho que Fuller esteja fazendo uma auto-homenagem) chamado Callowed (acredito, também, que o diretor, na passagem acima descrita dê uma leve pincelada – muito sutil – no amor homossexual entre homens do exército, prática comum num ambiente em que não se ver mulheres por extensos períodos). Ele desiste da bandeira vermelha e volta à América, repudiado por todos, notadamente pelos seus próprios familiares.
Sob a representação do genial cientista, Dr. Boden (Gene Evans), ganhador do Nobel de Física pela colaboração do desenvolvimento da bomba atômica e da bomba H, existe a discussão sobre a Guerra Fria e seus efeitos, mais que colaterais, na esfera global. Fuller dá uma verdadeira amostra do seu ‘ativismo’ pró-humanidade. Aquele que brincou de Deus, fabricando armas capazes de dizimar a raça humana, enlouquece, regredindo sua idade mental aos seis anos. “Com essa ameaça de destruição imediata, estamos à beira do desastre (...) Não consigo viver com prazos finais, então desisti de viver”, diz Boden enquanto faz um portrait do Jonh. Em uma correlação com o Dr. Strangelove (Reino Unido / EUA, 1964), de Stanley Kubrick, comprova-se que toda a comunidade cientifica envolvida na manutenção da guerra Socialismo x Capitalismo era uma parte dos verdadeiros loucos mundiais.
A mais contraditória imagem vem representada num garoto chamado Trent (Hari Rhodes), único estudante negro a ingressar numa universidade sulista (possivelmente a de Mississippi, um dos estados mais reacionários na atitude pró-supremacia americana) exclusiva para os brancos. Diante a execração diária, ele não suporta conviver num ambiente em que sua liberdade é medida pela cor da sua pele não pela sua capacidade ou condição humana. A reação a toda essa atmosfera inabitável o tormenta, então ele passa a crer que é o criador da KKK “General Forrest você anda dizendo que fundou a Klu Klux Klan. Eu sou o fundador, o grão mestre”, dizia enquanto segurava a camisa de John. Ele, então, aterroriza, maltrata os negros da instituição além de fazer campanhas que disseminam o racismo doentio dentro do hospício. “Sou a favor do americanismo puro. Supremacia branca! (…) Temos que jogar pedras e bombas, bombas negras para estrangeiros negros! (...) Queimem cada adorador de crioulos que existir! Chame-nos de KKK, nós vamos executar a matança africana!”. Fuller reproduzia através de Trent todo o discurso absurdo que durante muitos anos vinham sido reproduzido em atos e concordância de todas as pessoas que molestavam os negros (focando a atenção maior ao grupo extremista tão comentado no parágrafo, por representar – nos EUA - o ápice da intolerância). Em um suspiro de sobriedade, Trent relata os maus-tratos aos quais fora submetido. Repete a lei outorgada na quarta-feira, 30 de agosto de 1954, onde “A Suprema corte decreta o fim imediato da segregação nas escolas do país” sabendo que ela não era aplicada à realidade, então fala “para que as úlceras acabem, as escolas devem ser instruídas antes de abrirem as portas”.
O tema central do filme circunda na ambição de Johnny Barrett, um repórter do Daily Globe, obcecado pela fama e reconhecimento. Ele acreditava que a única maneira de fugir da mediocridade era conquistar o prêmio Pulitzer. Para alcançar este objetivo, Barrett arquiteta, juntamente com seu amigo psiquiatra Dr. Fong, o seu chefe Sr. Swanee e a sua namorada, a streaper Cathy (visivelmente contrária àquela armação), um plano insano de se infiltrar num hospício de modo a investigar e resolver um crime que as autoridades não puderam dar como encerrado. Johnny mentiu, corrompeu e finalmente conseguiu penetrar na clínica psiquiátrica. Ele já sabia exatamente quem eram as testemunhas e como enganar aqueles que poderiam lhe desmascarar. Por ironia, quanto mais próximo ele chegava da solução do crime, mais mentalmente perturbado ele se tornava. Na verdade Johnny nada mais era do que a personificação da grande maioria de cidadãos medianos e frustrados com a sua rotina cotidiana. O sonho de alcançar um prêmio, prestígio e, obviamente o dinheiro que lhe acarretaria status, é o caminho mais rápido e “fácil” de subir o degrau da “felicidade”. A partir daí, aparece a assertiva de Maquiavel de que “os fins justificam os meios”. A finalidade: o prêmio. Os meios: a qualquer custo entrar no manicômio, saber o nome do assassino, sair gloriosamente do corredor do hospício para o corredor da fama. Porém o custo do prêmio foi mais alto que Barrett e seus ajudantes imaginaram. Sua insanidade agora é dona da sua mente, de modo irreversível.
“O homem não pode brincar com a mente, viver num sanatório, se submeter a tratamentos e não esperar conseqüências. Johnny é um esquizofrênico catatônico, o louco mudo que ganhará o Pulitzer.” fala o doutor Cristo à Cathy nos últimos minutos do filme.
Emilly Dias
Paixões que Alucinam (título original: Shock Corridor)
Filmado em 1963, dirigido, escrito e produzido por Samuel Fuller
Elenco:
Peter Breck como Johnny Barrett;
Constance Towers como Cathy;
Gene Evans como Dr. Boden;
James Best como Stuart;
Hari Rhodes como Trent;
Larry Tucker como Pagliacci;
Diretor de fotografia: Stanley Cortez;

A.S.C. Duração: 101 minutos. Cor: Preto e Branco e Colorido.
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