The Naked Kiss
“Kelly is a hooker for business reasons. She loves children for personal reasons”, disse Fuller numa entrevista.
O filme aborda a vaidade mesclada à auto-estima, o sonho, o submundo da prostituição (sob sinônimos de venda de bombons e champagne ‘Angel Foam’), a pedofilia, o patriarcalismo (juntamente a todo tradicionalismo de pequenas cidades) e a contradição (expressa nas figuras de Kelly: a prostituta linda, porém dotada de conhecimentos da cultura musical (Moonlight Serenade) e literária (Goethe); Grant: milionário caridoso e pedófilo e Griff: a lei e o poder local totalmente arcaico e sem nenhuma noção de cultura ‘erudita’. “Você como tira deveria ler livros. Goethe, por exemplo. Ele disse que não há nada pior que a ignorância, e você provou que ele tem razão!” Dizia Kelly depois de ter sido insultada por Griff, que insinuou que ela era suja pelo fato da profissão que ela exerce).
O filme aborda a vaidade mesclada à auto-estima, o sonho, o submundo da prostituição (sob sinônimos de venda de bombons e champagne ‘Angel Foam’), a pedofilia, o patriarcalismo (juntamente a todo tradicionalismo de pequenas cidades) e a contradição (expressa nas figuras de Kelly: a prostituta linda, porém dotada de conhecimentos da cultura musical (Moonlight Serenade) e literária (Goethe); Grant: milionário caridoso e pedófilo e Griff: a lei e o poder local totalmente arcaico e sem nenhuma noção de cultura ‘erudita’. “Você como tira deveria ler livros. Goethe, por exemplo. Ele disse que não há nada pior que a ignorância, e você provou que ele tem razão!” Dizia Kelly depois de ter sido insultada por Griff, que insinuou que ela era suja pelo fato da profissão que ela exerce).
A vaidade pode ser expressa em dois momentos de “plot point” do filme. Um deles acontece na primeira e mais memorável cena em que Kelly está raivosamente espancando um homem bêbado, dentro de um apartamento (futuramente descobrimos que ele era seu cafetão). O clima é reforçado pela tensa e frenética música de Jazz ao fundo. A fúria da personagem se torna mais intensa quando este homem, ao tentar se defender arranca-lhe a peruca, desnudando algo que incomoda Kelly: ela precisa ser bonita para exercer a sua profissão, seu ganha-pão. Depois da tamanha surra, sua vítima cai inconsciente e ela arranca a carteira do bolso dele, retirando apenas a quantia que lhe pertence. Aqui já aparece a primeira contradição da película: Kelly, prostituta, violenta, representação da escória social, honesta e virtuosa. A música muda quando ela se recompõe no espelho. Uma melodia melancólica expressa aquele momento de reconstituição da auto-estima da mulher explorada, devastada. Quando ela finalmente se enxerga bonita, ela volta à sala (no mesmo instante, a música de jazz), rasga uma foto sua, que estava pendurada numa das paredes da sala, e joga os pedaços no chão, junto aos dólares que antes estavam no bolso do homem desfalecido. O segundo momento da vaidade combinada à auto-estima acontece quando Kelly se olha no espelho, depois de uma noite com Griff e decide que a vida de prostituição é algo que ela não quer perpetuar. “Foi o olhar mais longo da minha vida. Eu vi uma maquinaria quebrada. Só notas, uma cama e uma garrafa pelo resto da minha vida”. Diz a Griff, no hospital ortopédico, quando anuncia que largou a sua antiga profissão.
O sonho acontece em três ocasiões. A primeira advém duma história que Kelly conta, aos pequenos enfermos, sobre uma espontânea e linda brincadeira no parque que a envolvia e também às crianças. Dessa maneira, ela dá uma fugaz esperança aos pequeninos de que eles estavam livres das muletas, camas e cadeiras de rodas. O outro momento, que representa o devaneio dos personagens, ocorre quando Kelly acredita que vai conseguir finalmente livrar-se do seu passado obscuro. Esta nova moldura de ser, com a qual ela se presenteia, sucede quando ela começa a cuidar das crianças na clínica ortopédica. Adicionado a isto ela alimenta expectativa de virar uma mulher digna, relacionando-se (esta relação se dá quando ela vai assistir as gravações de Grant em Veneza e a partir daí cria sua primeira aspiração de comungar a vida com aquele homem) e casando-se com Grant. A subseqüente ocasião fantasiosa, porém pouco explorada no filme, é o sonho da mulher que tem o seu amado recrutado para servir a guerra. Ela recebe, tempos depois, um telegrama anunciando a morte do seu namorado, as medalhas como forma de reconhecimento do trabalho prestado a nação e a espera de 20 anos para a realização da quimera de se casar com seu Charlie, coisa que jamais iria se concretizar.
A pedofilia se expressa no homem cujo nome “é sinônimo de caridade”. Grant, tataraneto do fundador da cidade onde Kelly se instalou, era o “solteirão mais cobiçado”, inclusive por ela. Quando, próximo à data de casamento, a personagem vai mostrar o vestido de noiva ao seu futuro marido, eis a revelação: aquele homem honesto, caridoso, a verdadeira corporificação do príncipe encantado era, na verdade um pedófilo. Kelly não suportou a nova descoberta e, chocada, mata Grant.
O patriarcalismo se expressa nas figuras de Grant e Griff. Grant é o mantenedor da cidade, fundador do hospital que dá empregos e dignidade aos cidadãos. É o homem mais respeitado da região. Griff (que além de patriarca carrega consigo as mais ardorosas características do tradicionalismo) é aquele que impõe a ordem. Ele é um policial e não quer ver a suposta paz da sua pequena cidade perturbada. Usa qualquer mecanismo para se livrar dos indesejáveis: Primeiro ele dá seu próprio dinheiro no intuito de se ver livre de um ‘vagabundo’: “Obrigada Griff, lhe pagarei de volta” – diz o vagabundo quando o policial lhe paga a passagem para ele sair de Grantville. “Faço isso porque seu irmão trabalhou comigo. Não quero ver aqui de novo”. Depois disso, ele segue cada passo de Kelly, de modo a evitar que os serviços da moça não se espalhassem pela cidade: “Não haverá depois. Esta cidade é limpa. Não vamos nos dar nada bem se invadir meu terreno”. Declara isso depois de passar uma noite com Kelly e estar saciado com a degustação do seu produto. Quando a mulher quer se regenerar, largando de vez o meretrício e começando um trabalho com crianças, ele fica de sentinela, esperando que ela dê um primeiro e único passo em falso.
A contradição é representada em muitos momentos do filme. Adicionado aos acontecimentos citados no primeiro parágrafo, existe ainda a cena mais representativa do paradoxo (da essência humana) na situação que envolve o assassinato de Grant. Abismada depois de desmascarar a doença do seu futuro esposo, tomada pela fúria após ser taxada de anormal, Kelly não hesita e acerta em Grant um certeiro golpe com o gancho do telefone. Depois da tragédia ocorrida, ela amarrota o vestido de noiva (símbolo da sua libertação e felicidade), que acabara de ser pronto, de volta na caixa e permanece sentada na cadeira, taciturna, entendendo que seus ideais de plenitude viviam apenas no plano da ilusão. Após todo o tempo de investigação e carceragem, Kelly, que era a inimiga mais odiada da cidade, se transforma na heroína mais adorada (este intervalo é marcado pela grande hipocrisia que as pessoas carregam dentro de si).
Emilly Dias
Ficha Técnica:
Título original: The Naked Kiss
Direção: Samuel Fuller Roteiro: Samuel Fuller
Elenco: Constance Towers (Kelly) Anthony Eisley (Griff), Michael Dante (Grant).
Gêneros: Drama, Policial, Romance
País/Ano de Produção: Estados Unidos / 1964
Duração: 91minutos
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