Poderíamos pensar na perseguição de Tom a Jerry, nas lutas de Jackie Chan, Bruce Wills ou Van Dame, na atuação dos alunos da Escolinha do professor Raimundo; dos Trapalhões, nas situações dos mangás ou H.Q’s e, voltando mais ao passado, nas atitudes e exageros de Jerry Lewis e nos mirabolantes e heróicos pulos dados por John Wayne durante as perseguições aos apaches, sem e existência de Chaplin, Lloyd ou Keaton (o tripé da comédia e, também, gênios da linguagem cinematográfica)?
Buster Keaton, ao inaugurar nas telonas o “comediante que nunca ri”, numa época de películas bicromáticas e áudio inexistente, mostra aos seus espectadores a mais essencial comédia corporal e explícita. No intervalo entre 1926 -1927, período no qual fora filmado “A general”, o cinema ainda não possuía a tecnologia de reproduzir sons concomitantes à trama (mas estava muito próxima de alcançar este estágio). O que existiam eram orquestras que, presencialmente durante as seções, faziam a trilha para compor a magnitude de muitos dos filmes mudos. Por este motivo, Buster Keaton fazia valer o seu título de comediante numa remota época onde não existiam (cinematograficamente falando) figuras ou referências de comédia. Chaplin, Lloyd e Keaton foram os inventores de si mesmos e dos trejeitos que vêm sendo copiados diária e atualmente por clowns, dublês (em momentos de luta, perigo físico, aventuras, entre tantas outras estripulias) escritores e personagens de histórias em quadrinho. Ao passo que são inventores, eles buscam nas antigas instituições de entretenimento e expressão popular a base dum humor ingênuo e, sobretudo, brilhante.
Keaton engenhosamente emprega os gags, a comédia slapstick
[1], o humor negro e um surrealismo do riso, ao resgatar as práticas artísticas de Vaudeville
[2] ao mundo cinematográfico. O cômico aprendeu e pratica a pantomima e as várias categorias interartísticas (do Vaudeville) desde os quatro anos e, como uma característica nata, separa-se do seu contemporâneo Charles Chaplin na abordagem e maneira de fazer rir. Buster Keaton faz seu humor mais mundano e externo e preocupa-se com a mágica do rir mais que a tentativa de denúncias político-sociais e intimismos. Buster, portanto, não procurava simular feições ou atos estereotipados que forçassem o riso do espectador, ele apostava mesmo na sua mobilidade corpórea e nas surpresas e soluções cômicas que seu personagem desenvolvia durante o filme (um bom exemplo para esta afirmação se dá quando, em “A general”, um combatente inimigo, ao fumar seu charuto, encosta-o na toalha da mesa, furando-a e quase queimando Johnnie Gray (Buster), que, em busca de comida e amparo, havia acidentalmente se infiltrado na casa dos generais nortistas. Ele se esconde de baixo da mesa, onde os combatentes arquitetam o plano de ataque, quando vê Annabelle, feita refém, através do furo na toalha que havia sido produzido pelo charuto do General). Em condições de sossego ou agito, de riso ou siso, amor ou perigo o ator, diretor e produtor oferece àquele que o assiste a oportunidade de chorar, sorrir, a preencher o semblante do cômico, onde falta a expressão. A complexidade deste personagem deixa claro que o humor keatoniano seguia outra tendência que se separava da técnica padrão e esperada da comédia (coisa que encontramos, por exemplo, em Jerry Lewis), que se caracteriza pelas feições exageradas, pelas vozes roucas, estridentes e esganiçadas, pelo fracasso do protagonista (que geralmente é estúpido, feio, esquisito; uma pessoa desprovida de qualquer atrativo seja físico seja conteudista).
Em ‘A general’ o que mais atraiu a minha atenção, Johnnie Gray que me perdoe, foi a complexidade das filmagens. Só em perceber que: para fazer muitas das cenas, dois trilhos eram necessários para registrar as peripécias do condutor do trem (Johnnie) e a perseguição que visava o resgate da General, a locomotiva roubada; que mecanismos foram adotados e experimentados para manter a estabilidade da imagem durantes as filmagens; e a precisão de uma fotografia de qualidade que tivesse a preocupação em tornar a trama o mais fiel e próximo possível à época da Guerra de Secessão americana (1861), além da confecção da memorável cena (a locomotiva Texas caindo junto à ponte num rio) e mais cara de todo o cinema mudo me fazem ver que além de um preciso comediante, Buster Keaton era um homem extremamente perfeccionista, inventivo, enfim, brilhante.
O equilíbrio e consonância de cada take em a General que, em sua maior parte, foi rodado em área externa (isso explica o grande uso das lentes grande angular e dos planos abertos) e em movimento (já que a história se centra na perseguição de um trem a outro, onde a todo momento vê-se interrupções das mais diversas naturezas [canhão em rodas, madeiras, trilhos e vagões carrilhados e destruídos]) fizeram com que os $750,000 dólares (preço amplamente astronômico para a década) fossem muito bem gastos por Keaton (mesmo que tenha o levado a quase falência, já que a bilheteria não ultrapassou os $500,000 dólares e o obrigou a se algemar ao contrato da MGM), pois ele foi capaz de fazer um épico considerado um dos melhores filmes da década de 20 (e quem sabe da história do cinema).