quarta-feira, dezembro 26, 2007

Paixões que alucinam

Um dos meus professores, o renomado crítico de cinema André Setaro falou, durante um comentário sobre distribuição de filmes no Brasil, que as traduções dos títulos para português geralmente eram feitas por verdadeiros caça-níqueis, portanto pessoas/empresas um tanto quanto despreocupadas com a originalidade, conteúdo e temática que os filmes pudessem apresentar.
Olhando para a capa, que eu estava em mãos, da cópia brasileira de 'Paixões que Alucinam' cheguei até a rir, pensando o quão sórdido foram os distribuidores, ao porem na foto da capa dois homens se olhando e acima deles, em letras garrafais o anúncio de 'paixões alucinantes'.
Ri de verdade, mas depois de me recompor resolvi analisar o nome por uma outra instância.
Como mencionei no crítica que fiz ao filme /postada em outubro http://le-premier-bon-jour.blogspot.com/2006/10/shock-corridor.html/, cujo título original é Shock Corridor, a temática principal dele, posicionada na figura de Johny Barret, é a obsessão por sucesso.
Uma paixão, até certa medida, pode ser regada pelo elemento que é muito bem abordado no longa: a loucura. E, no caso de Barret, a paixão pelos cliques, reconhecimento, sucesso e dinheiro a todo e qualquer custo tornou não só alucinante a paixão do personagem como, também, doentia.
"Não sei" se os distribuidores pretendiam significar isso ao traduzir o nome desta excelente obra de Samuel Fuller, mas eu pude, depois de gargalhadas e reflexões chegar a este acordo com o passado, sem permissão, mas muita vontade.
Por Emilly Dias.

Capa do filme no Brasil:

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terça-feira, dezembro 25, 2007

Blow Up


Londres vigia, massifica seus diferentes, seus cosmopolitas, sua vida humana e urbana. Londres é cultural, porém sua tradição espreita todo caminhar, ruas e cotidiano. Londres é Beatles, Led Zeppelin, Yard Birds, Pink Floyd. Londres é cinzenta, incomunicável. Londres é fashion, diversidade, é sonho. Londres oprime e liberta. Todas essas contradições e idiossincrasias são retratadas por um italiano vivido na Itália pós-guerra calorosamente barulhenta, familiar, amigável, tradicional: um dos berços da civilização ocidental. Preocupado com a superficialidade das relações humanas do mundo moderno, Michelangelo Antonioni dirige seus filmes sob ótica e percepção inovadoras para retratar a incomunicabilidade a qual todos os cidadão capitalistas e capitalizados estão submetidos. Em seu primeiro filme de língua inglesa, Antonioni escolheu Londres como plano de fundo perpetuador da sua temática. Pelos motivos citados acima, dentre muitos outros, a capital inglesa é extremamente qualificada para tal abordagem, uma vez que ela inspira, ao mesmo tempo, a vigilância constante do Big Brother cotidiano e a efervescência em todos os aspectos da tentacular cultura: seja ela sociológica ou antropológica.
Sabendo disso, o diretor foi explorar as diretrizes do orbe burguesa contida em Londres na década de 60: sexo, drogas e rock n’roll não podem fugir desta análise. E, mesmo que a cidade possuísse milhares de motivos e temas para serem abordados num longa-metragem como: a Swing London, o mundo fashion, as beldades, a música a contracultura... Antonioni optou pelo silêncio, tendo o barulho e a revolução cultural como background.
As vivas cores, geridas miraculosamente do “acontrastante” tempo nublado, parecem ser o dialogador ou interlocutor do filme. Junto a David Hemmings, a policromia protagoniza o filme e ressalta o enfadonho dia de um alguém com muito poder, prestígio, dinheiro e, principalmente, tudo o que deseja. Nada mais é novidade: mulheres, beleza, profissão...
Como a história do longa-metragem é sobre um famoso fotógrafo, o seu nome não poderia ser mais conveniente. Blow up significa a ampliação da foto até seu nível máximo, ocasionando no estouro dos pontos que compõe a imagem. A fotografia do filme, como não poderia deixar de ser, é fantástica. O cinza londrino é estrategicamente usado para ressaltar o tédio do mimado Thomas.
Fugindo das skinny models que vão lhe implorar ‘a couple of minutes’, o fotógrafo passa, em seu charmoso Rolls-Royce, por uma rua totalmente vermelha, para, depois, chegar a um quarteirão acinzentado, maltratado e sem vida. Esta hora parece ser o ápice do tédio do personagem o qual, depois de uma visita frustrada ao antiquário, decide “passar o tempo fotografando no parque”. Eis, então, o início do conflito que vai gerar uma das cenas mais marcantes do filme: as ampliações infindas e contínuas do possível e passional assassinato. Durante esta antológica seqüência, uma análise sobre a evolução comportamental do personagem pode ser feita. Todo o filme é um fechar e abrir portas persistente, fato que demonstra o descaso e desleixo de Thomas em relação a todos os elementos e personagens da película (os quais, como eu pude notar, não são ‘nominados’ no filme. São como meros complementos para os altos e baixos no humor de Hemmings: a maioria das outras figura dramática são denominados de: birds. love, girls, entre outros adjetivos, mas nunca ganham uma subjetivação como referencial). Porém, no instante em que o fotógrafo entra na sala de revelação, sua atitude é diferenciada: a luz vermelha se acende e o silêncio toma conta do filme. Pela primeira vez, em 58 minutos rodados, o homem demonstra interesse em uma outra coisa que não seja o seu próprio eu e vaidades. Ele amplia algumas dúzias de fotos e analisa-as. Escolhendo duas delas, ele as alarga vertiginosamente, até alcançar o ‘blow up’, seu cadáver e seu crime.
Dando continuidade a este conjunto de seqüências tensas e silenciosas, de 1h30minutos – interrompidos apenas pelo antológico ménage a trois – Antonioni arquiteta uma das mais brilhantes e subliminares relações, que dão encadeamento e sentido ao filme. O diretor faz a comparação do blow up (estouro da imagem ressaltando seus pontos constituintes) à pintura abstrata do amigo do fotógrafo, Bill. O pintor faz a sua obra a partir da utilização de vários pingos de tintas. Chegando a uma finalização, ele começa a “interpretar” e ver objetos na sua salada de pontos, assim como Thomas enxerga, na confusão pontual e bicromática da sua fotografia, o seu cadáver. O mais magnífico dessa comparação é constatar que os dois artistas vêem na sua arte abstrata e desconexa o seu elemento (desejado), este que pode ser apenas visto pela cabeça daquele que inventa e cria.
Ao final do longa-metragem, portanto, Antonioni suscita a dúvida: houve mesmo o tal assassinato, ou tudo não passou de uma criação desesperada duma mente burguesa entediada?


Por Emilly Dias

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