quinta-feira, junho 15, 2006

Na procura, o propósito.


“Eu sabia que tudo aquilo era apenas um lindo, lisérgico e muito perigoso sonho”.
Uma voz alta, inconsciente e ecoante saia feroz pelos meus lábios proferindo ou infames, ou verdadeiras, ou confusas, ou... palavras num auto-diálogo que fugia meu controle e compreensão.
Encontrava-me só num ambiente escuro, que de certa forma alimentava uma confiança escondida dentre de mim e ela propiciava a argumentação unilateral.
Eu estava cega. Ou pelo menos imaginava estar.
Fez-se então a luz e com ela a compreensão:
O desalento que me povoava naquele momento era justificado em cada qualidade, defeito e quase humanidade de cada um dos personagens mundanos. Eles, paradoxalmente, compartilhavam comigo (e como todos os outros) características que julgava tão particulares...
Eu estava num palco. Também você e os 20 anos da minha vitalidade masculina. Eu não me entendia enquanto figura dramática e nunca me dera conta que atuava em cada termo, vida e suspiro vivenciado.
Toda suspeita recém-descoberta fora confirmada pelos tantos espectadores que consumiam dialéticas com suas numerosas cabeças presentes vazias.

Então entra o segundo ato.

O conflito toma corpo quando começo a interagir com você: linda, flutuante, iluminada, falante, portando aquele teimoso sorriso cuidadosamente pintado no rosto. Na mão - a minha libertação - totalmente fechada.
Eu estava descontrolado, ansioso, vomitante e invejava sua feição contente. Queria tanto estar dentro das suas sensações, minhas anteriores. Queria tanto as respostas: “me diz de que tanto sorri...?”, mas sempre para as perguntas erradas.
Você não se dirigia a mim. E eu sempre direcionava meus esforços para as auto- confusões. Aos poucos procurava uma maneira de controlar um persona que não me pertencia, mas se expressava pelo meu corpo. Era um passado mal resolvido, problemas superados, calos amortecidos. Ou talvez não.
Os laços superficialmente firmados foram dissolvidos: ainda me julgam complicado.
Não há perguntas e nem respostas, mas acusações.
E mais uma vez vacilante recebo a possibilidade de libertar-me de tudo isso.

Fecham-se as cortinas:

Aqui recomeça a parabólica situação da finalização que não é fim. Os resultados estão sendo procurados. A preocupação vigente é saber se o direcionamento das atitudes será para as coisas que urgem a serem sanadas.
A verdade ameaçadora, de fato, é saber que há a possibilidade de a conclusão voltar a ser o começo e as cordas da consciência sufocarem todas as alternativas de vôo livre, para uma etapa evolutiva.

A boca abre novamente proclamando questões não conclusivas:
Será que você irá penetrar novamente em mim?
Será novamente minha, eu que a perdi em tantas nas noites não dormidas, tantas palavras rápidas e vacilantes e tanta falta de uma paciência já vivida?

O anjo caído engole as respostas.
Enquanto eu procuro sua imagem enigmática nas fotos que deixei de tirar.
O auto-diálogo reinicia para o fim.
Mas não há aplausos.
Emilly Dias
15/06/2006
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Imagem: Mondino

terça-feira, junho 13, 2006

Oito de junho [...]



Depois do imenso alarde daqueles que crêem no demônio, juízo final, dogmas religiosos e todas essas coisas duma mesma "matéria substrata", tive o meu dia "6.6.6" incólume, completo e pleno. Fato semelhante ocorreu nos dois outros subseqüentes.
Ao fechar os olhos, na madrugada do dia 07, após uma pequena apreciação dos dotes da Marilyn Monroe, como a Adorável Pecadora, imaginei como seria minha quinta-feira psicanalítica-filosófica.
Acordei com umas olheiras inimagináveis e uma enorme vontade de jogar tudo para o alto: Freud, palestras, obrigações [zinhas] não emergenciais. Tudo isto em prol duma única e cogente coisa: a completude.
Às 11horas, do dia oito, meu celular gentilmente toca ressoando, do outro lado, aquela voz conhecida:
"Minha pausa. Liguei para que você não esquecesse do quanto lhe adoro..."
Daí fez-se viva toda obra de Dalí. O surrealismo dum sorriso.
Entrei no carro vermelho da minha mãe, liguei o motor e Gonzaga para me acompanhar até a porta de casa.
Sentia uma fome devastadora. E sono (e aquela angustiante vontade de não fazer o que deveria ser feito).
Chego em casa, a comida sendo preparada, o estômago revirando as glicoses restantes do café da manhã (salvo por um chocolate roubado antes da refeição principal) e o anseio impulsivo de ouvir aquela voz novamente.
De maneira inesperada, um convite:
"Estou livre até as duas, você tem algo programado para este horário?"
"Não!" - me adiantei em dizer, mesmo sabendo que cada minuto do dia estava com um compromisso a ser realizado.
"Ótimo. Espero por você, depois do almoço".
Ligo o DVD e ponho "Assassinos por Natureza". Enquanto alcançava seu turbulento quinto minuto, o celular vibra e a voz pergunta o porquê da demora.

Havia me esquecido de levantar. Estava quase entregue ao sono.

Escovei meus dentes, pus 'o elemento' na bolsa e, nas mãos, as chaves do carro e da minha casa.
Estacionei calmamente, saí calmamente do carro, cheguei calmamente à sua casa, sentei-me calmamente (e meio sonolenta) na peça encostada na parede.
Aquele a quem a voz pertencia me olhou nos olhos, acariciou meu rosto e indagou: "Trouxe?"
Vagarosamente, tiro da bolsa o que havia prometido.
Pus uma porção na mão dele: Ele cheirou.
Pus uma porção na minha mão: Espalhei pelo meu corpo, o qual o outro sentia vertiginosamente.
Ficamos de pé;
Encostamo-nos naquele móvel próximo à parede;
Levantamo-nos depois de certo tempo.
Saímos do cômodo, onde nos encontrávamos.

Passeio de carro, troca de ingressos, acarajés, trobadinhas, automóvel morto e ... o cômodo novamente.
Corpos no móvel próximo a parede.
Pernas flutuantes em dança.
Piadas irônicas.
Conversas sérias, outras nem tanto.
O móvel se mexia.
Os corpos se punham de pé, de cócoras, em outras posições tantas, num alongamento constante, numa libertação, em atos, gestos e palavras.
E por quatro vezes repetiram.
...

O dono da voz começa a andar. Conflitos de ansiedade.
Eu, ainda sentada no móvel situado contra parede próxima à porta, segurava papéis e minha grafite rabiscando formas e buscando o sentido delas.
Todas as luzes são apagadas.
Os corpos se abraçam, se misturam se fundem num interminável ritual de conforto mútuo.
Palavras declamadas, sensibilidades afloradas e o dois se faz um.
Assim o nosso ciclo recomeça: adorando mais hoje do que pensava poder adorar ontem.
Sempre um sorriso, sempre adeus de curta duração.

Volto para carro vermelho.
Com silêncio e em silêncio, sendo feliz.
Abrindo a porta metálica, fechando a de madeira, sempre sorrindo;

Sempre.

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Imgem: Jill Greenberg